segunda-feira, 7 de abril de 2008

Não fornecimento de refeição gera indenização

Interessante decisão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que condenou a GOL Linhas Aéreas no pagamento de uma indenização a uma passageira, por não ter fornecido a ela refeição durante um atraso de mais de 4 horas no seu vôo.
Pedimos vênia para transcrever o acórdão na íntegra, como segue:

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

ACÓRDÃO

RESPONSABILIDADE CIVIL – Indenização – Atraso de vôo – Cerceamento de defesa – Apagão aéreo – Fatos notórios – Improcedência – Contrato de transporte cumprido – Serviços insatisfatórios – Ausência de informações e falta de fornecimento de refeição – Inteligência do art. 14 do CDC – Indenização fixada em R$ 3.500,00 – Dissabor e irritação – Recurso parcialmente provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO EM SUMÁRIO n° 7.199.676-6, da Comarca de SÃO PAULO, sendo apelante FERNANDO PEREIRA DE OLIVEIRA e apelada GOL TRANSPORTES AÉREOS S/A.

ACORDAM, em Vigésima Segunda Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, dar parcial provimento ao recurso.

1. A r. sentença de fls. 62/67 julgou improcedente o pedido de indenização e condenou o autor no pagamento de custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) do valor atribuído à causa, corrigido do ajuizamento.

Inconformado, apela o autor pugnando, em apertada síntese, pela anulação da sentença, que impediu a expedição de ofício à Infraero para demonstração da responsabilidade da empresa aérea pelo ocorrido.

No mérito, assevera que a responsabilidade, no caso concreto, é objetiva e restou incontroverso que o apelante foi vítima dos atrasos. Reporta-se, no mais, à inicial e documentos juntados para obter a reforma da decisão.

O recurso é tempestivo e foi contra-arrazoado.

Os comprovantes de recolhimento do preparo e do porte de remessa e retorno foram juntados as fls. 72/73.

Eis o breve relatório.

2. Em primeiro lugar, cerceamento de defesa não houve. O feito foi julgado de acordo com o disposto no artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil, e irregularidade alguma existe nesta forma de sentenciamento.

Presentes as condições que ensejam o julgamento antecipado da causa, é dever do juiz, e não mera faculdade, assim proceder (cf. Theotonio Negrão, "Código de Processo Civil e legislação processual em vigor", 35a Edição, Ed. Saraiva, pág. 409, art. 330, nota n° 1). No mesmo sentido o R.Esp nº 2.832/RJ, que teve como relator o Ministro Sálvio de Figueiredo, julgado em 14.08.90.

O Supremo Tribunal Federal já deixou assentado que a necessidade da produção de prova há de ficar evidenciada para que o julgamento, realizado sem ela, implique em cerceamento de defesa (Rec.Extr. n° 101.171-8/SP).

No caso dos autos, é incontroverso que o atraso ocorrido deu-se por problemas com os controladores de vôo que geraram, e ainda geram, demora em decolagens e aterrissagens.

Desnecessária, portanto, a expedição de ofício para que a Infraero se pronuncie sobre o que veicula-se diariamente nos meios de comunicação.

No mérito, o recurso prospera em parte.

O contrato de transporte, está provado, foi integralmente cumprido pela companhia aérea, que transportou o autor do Rio de Janeiro a São Paulo e providenciou condução do aeroporto de Guarulhos ao de Cumbica em aeronave diversa da inicialmente prevista, o que faz presumir que esta não chegou ao aeroporto do Galeão, ou demoraria, ainda, muito tempo para decolar.

À evidência, a empresa aérea adotou as providências cabíveis dentro das circunstancias operacionais e o transporte, em si, não pode ser considerado defeituoso, por força do disposto nos termos do art. 14, §1°, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor.

Os serviços acessórios ao transporte, entretanto, não foram satisfatórios.

Muito embora não fosse exigível da companhia aérea o fornecimento de hospedagem ao autor, pois o embarque podia ser autorizado a qualquer momento (sem tempo hábil para arregimentar todos os passageiros e providenciar o embarque), esta não cuidou de fornecer refeição (ou ao menos lanche) e informações a quem aguardou, das 21:00 até as 3:00 horas da manhã, para embarcar.

O retorno a São Paulo deu-se na madrugada do dia 21 de outubro, sábado. Assim sendo, o autor não perdeu compromissos profissionais ou teve rotina alterada com o atraso.

A companhia aérea, pela falta de prestação de informações e de refeição, fica condenada ao pagamento na quantia equivalente a dez salários mínimos vigentes no País na data do evento, qual seja, R$ 3.500,00, que serve como conforto para o autor e reprimenda para a ré.

Sobre a quantia estipulada incidirá juros de mora, a partir citação e correção monetária, da ocorrência (Súmula 43 do STJ).

Atrasos em vôos não são raros e o ocorrido no dia 20 de outubro atingiu a todos os que estavam no aeroporto. Havia problema nos radares e os controladores de vôo encontravam-se em greve.

Nesse diapasão, cabe destacar a doutrina do ilustre Carlos Roberto Gonçalves, que aponta com propriedade o que se reputa, ou não, pano moral:

"Para evitar excessos e abusos, recomenda Sérgio Cavalieri, com razão, que só se deve reputar como dano moral 'a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo' (Programa, cit.,p.78)", in Responsabilidade Civil, Saraiva, 8a edição, páginas 549 e 550.

O que houve, em verdade, foi irritação e dissabor com o aguardo, até certo ponto esperado, do vôo, considerando-se o fatídico acidente ocorrido em setembro de 2007, entre o Jato Legacy e Boeing da GOL.

Em razão da sucumbência recíproca, as custas e despesas ficam igualmente repartidas. Cada parte arcará com a honorária de seu respectivo patrono.

3. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao recurso.

Presidiu o julgamento, com voto, o Desembargador ANDRADE MARQUES e dele participaram os Desembargadores THIERS FERNANDES LOBO e CAMPOS MELLO.

São Paulo, 29 de janeiro de 2008.
ANDRADE MARQUES
Relator