Ocorre que, muitas pessoas, na ânsia desenfreada de que buscar culpados um encontrar as causas de um acidente aeronáutico, acabam por tecerem comentários, no mínimo, esdrúxulos, para não dizer, aberrações verbais, tudo isso por não pararem durante alguns minutos para ler os dispositivos contidos na lei acima mencionada.
Antes de discorrer sobre essa polêmica, cumpre esclarecer
que a Lei nº 12.970 foi publicada em 8 de maio de 2014 e veio para alterar o
Capítulo VI do Título III e o art. 302 e revogar os arts. 89, 91 e 92 da Lei nº
7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica (CBAer),
para dispor sobre as investigações do Sistema de Investigação e Prevenção de
Acidentes Aeronáuticos - SIPAER e o acesso aos destroços de aeronave e dá outras
providências.
A nova redação dada ao art. 88-C do CBAer diz que “A
investigação Sipaer não impedirá a instauração nem suprirá a necessidade de
outras investigações, inclusive para fins de prevenção, e, em razão de
objetivar a preservação de vidas humanas, por intermédio da segurança do
transporte aéreo, terá precedência sobre os procedimentos concomitantes ou não
das demais investigações no tocante ao acesso e à guarda de itens de interesse
da investigação”.
Aqui já encontramos a primeira luz sobre o assunto, ao
dizer que a investigação SIPAER NÃO impedirá que outras investigações sejam
feitas, inclusive a investigação criminal ou judicial, que correrá independente
da investigação SIPAER, pois esta trabalha com hipótese, enquanto que aquela
trabalha com fatos.
Veja que, pelo art. 88-E, o CENIPA, mediante
requerimento, poderá colocar seus especialistas para auxiliar a autoridade
policial ou judicial na elaboração dos exames necessários às diligências sobre
o acidente aeronáutico com aeronave civil, desde que: I - não exista, no quadro
de pessoal do órgão solicitante, técnico capacitado ou equipamento apropriado
para os exames requeridos; II - a autoridade solicitante discrimine os exames a
serem feitos; III - exista, no quadro de pessoal da autoridade de investigação
Sipaer, técnico capacitado e equipamento apropriado para os exames requeridos;
e IV - a entidade solicitante custeie todas as despesas decorrentes da
solicitação. Pelo parágrafo único. O pessoal colocado à disposição pela
autoridade de investigação Sipaer não poderá ter participado da investigação
Sipaer do mesmo acidente.
Talvez o dispositivo que cause mais polêmica é o art.
88-I, em especial o seu § 2º, que diz que “A fonte de informações de que trata
o inciso III do caput e as análises e conclusões da investigação Sipaer não
serão utilizadas para fins probatórios nos processos judiciais e procedimentos
administrativos e somente serão fornecidas mediante requisição judicial,
observado o art. 88-K desta Lei”.
Numa interpretação literal desse dispositivo, vemos
claramente que a tal polêmica é muito mais fruto da imaginação de pessoas
totalmente desinformadas e que nada mais querem é provocar um sensacionalismo
barato e adquirir seus 15 minutos de fama.
A partir do momento que um juiz de direito requisita as
informações da investigação para o CENIPA, este as fornecerá como forma de
instrução processual, em complemento às provas produzidas pela perícia
criminal.
Vale lembrar que pelo § 4º desse mesmo art. 88-I será
vedado ao profissional do Sipaer revelar suas fontes e respectivos conteúdos,
aplicando-se-lhe o disposto no art. 207 do Código de Processo Penal, e no art.
406 do Código de Processo Civil, dispositivos estes que proíbem de depor as
pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar
segredo.
E, para por uma pá de cal nessa polêmica, o art. 88-J é
taxativo ao dizer que “as fontes e informações Sipaer que tiverem seu uso
permitido em inquérito ou em processo judicial ou procedimento administrativo
estarão protegidas pelo sigilo processual”.
São fontes Sipaer, de acordo com o caput do art. 88-I:
- gravações das comunicações entre os órgãos de controle de tráfego aéreo e suas transcrições;
- gravações das conversas na cabine de pilotagem e suas transcrições;
- dados dos sistemas de notificação voluntária de ocorrências;
- gravações das comunicações entre a aeronave e os órgãos de controle de tráfego aéreo e suas transcrições;
- gravações dos dados de voo e os gráficos e parâmetros deles extraídos ou transcritos ou extraídos e transcritos;
- dados dos sistemas automáticos e manuais de coleta de dados; e
- demais registros usados nas atividades Sipaer, incluindo os de investigação.
Conforme consta no site do Conselho Nacional de Justiça,
os atos processuais são, em regra, públicos. Todavia, alguns processos correm
em segredo de justiça, sendo limitado o acesso aos dados do processo às partes
e a seus representantes. Além dos processos, podem também ser tratados como
sigilosos documentos do processo e/ou movimentações.
Isso vem de encontro com o estatuído na Constituição
Federal de 1988, ao dizer que “A lei só poderá restringir a publicidade dos
atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o
exigirem;”(art. 5º, LX).
Frise-se que, de acordo com o art. 154, do Código Penal,
aquele que revelar, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de
função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a
outrem estará sujeito a um pena de detenção de 3 meses a 1 ano, ou ao pagamento
de multa.
O que a lei visou, ao tornar as fontes SIPAER sigilosa,
foi protege-las da ânsia desenfreada em descobrir os culpados por um acidente,
bem como de certos setores da mídia ou como aconteceu durante os trabalhos da
CPI do Apagão Aéreo em 2007, um verdadeiro show de horrores causado por
parlamentares que buscavam os holofotes e pouco se importaram em preservar a
memória dos mortos e em expor o Brasil, que tem um dos melhores índices de
segurança de voo do mundo, a severas sanções internacionais.
Por derradeiro, sempre é bom lembrar que as atividades
SIPAER tem finalidade única e exclusiva de prevenção, evitar futuros acidentes,
conceito este que está embasado nas principais legislações aeronáuticas do
mundo, com ênfase especial para as diversas recomendações e padrões
estabelecidos pelo Anexo 13 da ICAO, da qual o Brasil é um Estado Signatário, e
que estabelece, em seu item 3.1: “O objetivo único da investigação de acidente
aéreo deve ser a prevenção de acidentes e incidentes. Não se constitui propósito desta atividade
distribuir culpa ou responsabilidade”.