segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Breves comentários sobre a Lei 12970/14 - Sigilo das investigações SIPAER

Muito tem se falado ultimamente sobre a Lei 12.970/14, que trata das investigações de acidentes aeronáuticos no âmbito do SIPAER, em especial no que tange a um suposto sigilo das investigações.
 
Ocorre que, muitas pessoas, na ânsia desenfreada de que buscar culpados um encontrar as causas de um acidente aeronáutico, acabam por tecerem comentários, no mínimo, esdrúxulos, para não dizer, aberrações verbais, tudo isso por não pararem durante alguns minutos para ler os dispositivos contidos na lei acima mencionada.

Antes de discorrer sobre essa polêmica, cumpre esclarecer que a Lei nº 12.970 foi publicada em 8 de maio de 2014 e veio para alterar o Capítulo VI do Título III e o art. 302 e revogar os arts. 89, 91 e 92 da Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica (CBAer), para dispor sobre as investigações do Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos - SIPAER e o acesso aos destroços de aeronave e dá outras providências.

A nova redação dada ao art. 88-C do CBAer diz que “A investigação Sipaer não impedirá a instauração nem suprirá a necessidade de outras investigações, inclusive para fins de prevenção, e, em razão de objetivar a preservação de vidas humanas, por intermédio da segurança do transporte aéreo, terá precedência sobre os procedimentos concomitantes ou não das demais investigações no tocante ao acesso e à guarda de itens de interesse da investigação”.

Aqui já encontramos a primeira luz sobre o assunto, ao dizer que a investigação SIPAER NÃO impedirá que outras investigações sejam feitas, inclusive a investigação criminal ou judicial, que correrá independente da investigação SIPAER, pois esta trabalha com hipótese, enquanto que aquela trabalha com fatos.

Veja que, pelo art. 88-E, o CENIPA, mediante requerimento, poderá colocar seus especialistas para auxiliar a autoridade policial ou judicial na elaboração dos exames necessários às diligências sobre o acidente aeronáutico com aeronave civil, desde que: I - não exista, no quadro de pessoal do órgão solicitante, técnico capacitado ou equipamento apropriado para os exames requeridos; II - a autoridade solicitante discrimine os exames a serem feitos; III - exista, no quadro de pessoal da autoridade de investigação Sipaer, técnico capacitado e equipamento apropriado para os exames requeridos; e IV - a entidade solicitante custeie todas as despesas decorrentes da solicitação. Pelo parágrafo único. O pessoal colocado à disposição pela autoridade de investigação Sipaer não poderá ter participado da investigação Sipaer do mesmo acidente.

Talvez o dispositivo que cause mais polêmica é o art. 88-I, em especial o seu § 2º, que diz que “A fonte de informações de que trata o inciso III do caput e as análises e conclusões da investigação Sipaer não serão utilizadas para fins probatórios nos processos judiciais e procedimentos administrativos e somente serão fornecidas mediante requisição judicial, observado o art. 88-K desta Lei”.

Numa interpretação literal desse dispositivo, vemos claramente que a tal polêmica é muito mais fruto da imaginação de pessoas totalmente desinformadas e que nada mais querem é provocar um sensacionalismo barato e adquirir seus 15 minutos de fama.

A partir do momento que um juiz de direito requisita as informações da investigação para o CENIPA, este as fornecerá como forma de instrução processual, em complemento às provas produzidas pela perícia criminal.

Vale lembrar que pelo § 4º desse mesmo art. 88-I será vedado ao profissional do Sipaer revelar suas fontes e respectivos conteúdos, aplicando-se-lhe o disposto no art. 207 do Código de Processo Penal, e no art. 406 do Código de Processo Civil, dispositivos estes que proíbem de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo.

E, para por uma pá de cal nessa polêmica, o art. 88-J é taxativo ao dizer que “as fontes e informações Sipaer que tiverem seu uso permitido em inquérito ou em processo judicial ou procedimento administrativo estarão protegidas pelo sigilo processual”.


São fontes Sipaer, de acordo com o caput do art. 88-I:
  1. gravações das comunicações entre os órgãos de controle de tráfego aéreo e suas transcrições;
  2. gravações das conversas na cabine de pilotagem e suas transcrições;
  3. dados dos sistemas de notificação voluntária de ocorrências;
  4. gravações das comunicações entre a aeronave e os órgãos de controle de tráfego aéreo e suas transcrições;
  5. gravações dos dados de voo e os gráficos e parâmetros deles extraídos ou transcritos ou extraídos e transcritos;
  6. dados dos sistemas automáticos e manuais de coleta de dados; e
  7. demais registros usados nas atividades Sipaer, incluindo os de investigação.

Conforme consta no site do Conselho Nacional de Justiça, os atos processuais são, em regra, públicos. Todavia, alguns processos correm em segredo de justiça, sendo limitado o acesso aos dados do processo às partes e a seus representantes. Além dos processos, podem também ser tratados como sigilosos documentos do processo e/ou movimentações.

Isso vem de encontro com o estatuído na Constituição Federal de 1988, ao dizer que “A lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;”(art. 5º, LX).

Frise-se que, de acordo com o art. 154, do Código Penal, aquele que revelar, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem estará sujeito a um pena de detenção de 3 meses a 1 ano, ou ao pagamento de multa.

O que a lei visou, ao tornar as fontes SIPAER sigilosa, foi protege-las da ânsia desenfreada em descobrir os culpados por um acidente, bem como de certos setores da mídia ou como aconteceu durante os trabalhos da CPI do Apagão Aéreo em 2007, um verdadeiro show de horrores causado por parlamentares que buscavam os holofotes e pouco se importaram em preservar a memória dos mortos e em expor o Brasil, que tem um dos melhores índices de segurança de voo do mundo, a severas sanções internacionais.

Por derradeiro, sempre é bom lembrar que as atividades SIPAER tem finalidade única e exclusiva de prevenção, evitar futuros acidentes, conceito este que está embasado nas principais legislações aeronáuticas do mundo, com ênfase especial para as diversas recomendações e padrões estabelecidos pelo Anexo 13 da ICAO, da qual o Brasil é um Estado Signatário, e que estabelece, em seu item 3.1: “O objetivo único da investigação de acidente aéreo deve ser a prevenção de acidentes e incidentes.  Não se constitui propósito desta atividade distribuir culpa ou responsabilidade”.
 
 

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